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“Surto” de Legionella em Vila Franca de Xira. Acusação. Arquivamento parcial. Infração de regras de construção. Ofensas à integridade física por negligência. DIAP de Vila Franca de Xira/Comarca de Lisboa Norte

15 mar 2017

O MP requereu o julgamento de sete arguidos pela prática dos crimes de infração de regras de construção (conservação) e ofensas à integridade física por negligência e duas sociedades, estas pela prática do crime de infração de regras de construção (conservação). As referidas sociedades são a fábrica de adubos sita em Alverca do Ribatejo e a empresa responsável pelo tratamento da água existente nos circuitos de arrefecimento utilizados pela primeira, que incluem torres de arrefecimento. A investigação revestiu-se de excecional complexidade técnica e científica tendo por objecto o designado “surto” de Legionella, ocorrido entre os meses de outubro e dezembro de 2014, na região de Vila Franca de Xira e concelhos limítrofes, respectiva origem, desenvolvimento e consequências, das quais se destacam um número significativo de pessoas infectadas pela chamada Doença dos Legionários.

Este “surto” foi, inicialmente investigado, na vertente de saúde pública e ambiental, por uma Task Force que integrava a Direção-Geral da Saúde, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), o Departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (DSP ARSLVT), a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), a Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL), a Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Vila Franca de Xira.

De acordo com os indícios recolhidos, no essencial, ficou suficientemente provado o nexo de causalidade entre a estirpe ST1905 da bactéria Legionella pneumophila sg1, detectada nas amostras ambientais (água do 8.º circuito de arrefecimento da fábrica de adubos) e a detetada nas amostras clínicas recolhidas em 73 pessoas. A aspiração daquela bactéria, aerossolizada pelas torres de arrefecimento do referido circuito, provocou a morte a 8 daquelas pessoas e lesões físicas graves ou simples nas demais.

O desenvolvimento e propagação da bactéria em causa, pela forma descrita, ocorreu devido às omissões conjugadas dos diversos arguidos constituídos, no cumprimento, que se lhes impunha, das regras técnicas e melhores técnicas disponíveis, divulgadas e comummente aceites pelas comunidades científica e empresarial, constantes, entre outras, no documento “Prevenção e Controlo de Legionella nos Sistemas de Água – CS/04”, elaborado pelo Instituto Português de Qualidade do Ministério da Economia.

Daquelas omissões destacaram-se as que impunham a limpeza física e desinfeção das estruturas/componentes dos circuitos de arrefecimento, incluindo a utilização de produtos biodispersantes, controlo microbiológico eficiente, mediante a realização de análises periódicas, incluindo à bactéria Legionella, e tratamento da água daqueles circuitos.

Os factos ocorreram antes e após a paragem anual de dez dias do 8.º circuito de arrefecimento da fábrica de adubos, que decorreu no período compreendido entre 10 e 20 de outubro de 2014.

A bactéria Legionella é um microrganismo ubíquo da água doce ambiente e pode existir em reservatórios naturais, tais como lagos, rios, ou em sistemas de abastecimento e distribuição de água, ar condicionado e sistemas de arrefecimento, como as torres em causa. Nas circunstâncias apuradas, verificou-se terem existido condições propícias, por um lado à multiplicação da bactéria e, por outro, à sua propagação através de aerossolização, nomeadamente, por causa das omissões referidas e associadas às condições atmosféricas existentes no período em questão.

De todos os “casos” notificados à Direção-Geral da Saúde como fazendo parte do designado “surto”, só se mostrou possível estabelecer o aludido nexo de causalidade nas 73 situações supra referidas, uma vez que, nas restantes, ou se mostrou inviável a recolha de amostras clínicas ou, nestas, não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detectada nas amostras ambientais recolhidas. Nesse pressuposto, determinou-se o arquivamento parcial do inquérito quanto a possíveis responsabilidades criminais por falta de provas indiciárias.

Determinou-se, igualmente, o arquivamento parcial do inquérito quanto à eventual verificação de um crime de poluição, por não se mostrarem preenchidos alguns dos respectivos elementos típicos.

A investigação foi dirigida pelo Ministério Público do núcleo de Vila Franca de Xira do Departamento de Investigação e Ação Penal da comarca de Lisboa Norte, com a coadjuvação da Polícia Judiciária, e da contribuição de peritos nomeados para o efeito, além da contribuição científica e técnica das entidades mencionadas.